Assim como o perfumista cria sua obra baseada em aromas criativos e intencionais e percepções aguçadas, assim também o escritor cria sua obra baseada em palavras também intencionais, mostrando como sua sensibilidade capta a realidade e a transforma em literatura.
E neste universo literário, a minha querida Clarice Lispector, a principal escritora que me entenderia, entendeu bem mais sobre o ato de perfumar-se, relatando a personagem Lóri em um momento único com o seu perfume (no livro uma aprendizagem ou livros dos prazeres , da Ed. Rocco). Um fragmento brilhante para quem vive se perfumando como eu.
Se por um lado Clarice escreveu tão bem o fragmento a seguir , desvendando a minha própria intimidade ao me perfumar. Por outro lado, assumiu publicamente que muitas vezes não conseguia descrever algo que sentia, porque era como se fosse uma tentativa de fotografar um perfume, tamanha a impossibilidade. Neste ponto, concordo com ela. Quantas vezes é tão difícil fotografar um perfume, ver além das notas, guardar uma memória olfativa impossível de ser registrada em uma foto . O mesmo ocorre com o sentir algo inexplicável, que se rebela contra nós, dificultando o ato de dar vazão ao que está dentro, escondido ...
No livro uma aprendizagem ou o livro dos prazeres , de Clarice Lispector, nada foi sufocado. Encontrei mais um prazer...a maravilhosa combinação perfume e literatura.
...estava na hora de se vestir: olhou-se ao espelho e só era bonita pelo fato de ser uma mulher: seu corpo era fino e forte, um dos motivos imaginários que faziam com que Ulisses a quisesse; escolheu um vestido de fazenda pesada, apesar do calor, quase sem modelo, o modelo seria o seu próprio corpo mas enfeitar-se era um ritual que a tornava grave: a fazenda já não era um mero tecido, transformava-se em matéria de coisa e era esse estofo que com o seu corpo ela dava corpo — como podia um simples pano ganhar tanto movimento? seus cabelos de manhã lavados e secos ao sol do pequeno terraço estavam de seda castanha mais antiga — bonita? não, mulher: Lóri então pintou cuidadosamente os lábios e os olhos, o que ela fazia, segundo uma colega, muito mal feito, passou perfume na testa e no nascimento dos seios — a terra era perfumada com cheiro de mil folhas e flores esmagadas: Lóri se perfumava e essa era uma das suas imitações do mundo, ela que tanto procurava aprender a vida — com o perfume, de algum modo intensificava o que quer que ela era e por isso não podia usar perfumes que a contradiziam: perfurmar-se era de uma sabedoria instintiva, vinda de milênios de mulheres aparentemente passivas aprendendo, e, como toda arte, exigia que ela tivesse um mínimo de conhecimento de si própria: usava um perfume levemente sufocante, gostoso como humus, como se a cabeça deitada esmagasse humus, cujo nome não dizia a nenhuma de suas colegas-professoras: porque ele era seu, era ela, já que para Lóri perfumar-se era um ato secreto e quase religioso.
“Quantidade? Você não é um frasco, é uma pessoa. Você é um anúncio de perfume? Você é apenas perfumada. Não deixe seu perfume entrar numa sala muito antes de você mesma. O perfume deve envolvê-la, não precedê-la.”
(Clarice Lispector,em Correio Feminino , editora Rocco).
Clarice Lispector escreveu sobre beleza e moda, inclusive sobre perfumes na mídia impressa
Sábia como sempre... Amo Clarice Lispector assim como amo perfumes!
(Clarice Lispector,
Clarice Lispector escreveu sobre beleza e moda, inclusive sobre perfumes na mídia impressa
Sábia como sempre... Amo Clarice Lispector assim como amo perfumes!
5 comentários:
Adoro perfumes também.. E detesto aqueles fortes demais, que irritam o nariz, que fazem arder os olhos. E pessoas com perfumes iguais, me parecem iguais também.. Belo post, moça.. Belo post! =)
Beijos =***
Olá Palomilla,
Obrigada pela sua visita! Concordamos no que disse. Também gosto de perfumes que não me irritam, afinal temos que vestí-lo como uma roupa que nos deixa bonitas(os), de alto astral. Ainda busco o meio termo, suave mas marcante e com notas exóticas.
Outro ponto importante que comentou é ter o que chamamos de "signature fragrance", ou seja, uma fragrância que diz o que somos; por isso chega um período que o que mais queremos é não ver pessoas iguais ao nosso perfume (nenhuma ou o mínimo possível). Para quem gosta de perfumes, a exclusividade de uma fragrância é objeto de desejo.
beijos e obrigada mais uma vez pelo carinho,
Cris
Querida Cris!
Qual terá sido o perfume de Lori? Húmus? Hmmm... Eu aposto no Cristalle, e você?
Beijos perfumados da amiga e leitora assídua!
Oi Normita... hmmm, que pergunta difícil! Digamos que eu não penso em uma marca específica. Eu penso que é um perfume com flor de lótus, com algo especiado que depois abre uma baunilha adulta. Flor de lótus é a flor da espiritualidade. Seria a flor de Clarice Lispector.
Olá! Eu sou Ewertton Nunes, de Aracaju/SE... Adorei a postagem! Sou coreográfo da Espaço Liso Cia. de Dança e o nosso trabalho mais recente intitula-se "PERFUME", logo surgiu uma identificação com as suas palavras e a citação de CLARICE LISPECTOR.
Embebidos desse tema, que vai além de uma simples idéia do que venha a ser um aroma, uma essência, uma fragrância, concebemos um espetáculo que nos dá muito prazer de executar... Expomos através da dança-teatro aliada á música ao vivo(pois perquisamos as semelhanças existentes na composição do PERFUME e da MÚSICA) as lembranças como perfumes que marcam profundamente a nossa existência. Perfumes como roupas (como já foi comentado por uma apreciadora do seu blog)que vestimos para nos elevar, mais que algumas vezes também pode estar associado à lembranças de machucam. Adorei o seu blog e vou divulgá-lo. Se tiver interesse visita o nosso... Grande Abraço!
www.espacolisodanca.blogspot.com
E ESSE É O MEU: www.osaltimbancosonhador.blogspot.com
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